A relação entre qualidade de artigos, ensino e carreira científica

JC e-mail 3993, de 20 de Abril de 2010

Para que o país se torne mais competitivo, será necessária uma revisão no ensino e na prática científica no Brasil, de modo a fortalecer uma cultura científica entre os futuros cientistas, dizem especialistas

O Brasil tem se destacado nos últimos anos com o crescimento da sua participação na produção científica mundial, hoje em 2,12%. Há dez anos, ela não passava de 1%. Atualmente, a maior preocupação é em relação à qualidade dessa produção, refletida tanto pelo baixo número de citações de artigos brasileiros quanto pelo maior volume de publicações em periódicos com baixo fator de impacto.

Na última quinta-feira (15/4), médicos, cientistas e editores de periódicos se reuniram no Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, durante o I Colóquio Brasileiro sobre Pesquisa e Publicações Científicas de Alto Impacto, para debater as principais razões que levam o país a ter uma performance científica aquém da desejada.

Embora um dos principais argumentos para a pouca penetração brasileira em periódicos considerados de alta qualidade seja normalmente atribuída às dificuldades na comunicação científica feita em inglês, essa parece ser a questão mais simples a ser solucionada. O problema, no caso brasileiro, é mais complexo.

"Muitos erros conceituais estão sendo multiplicados nos periódicos de menor impacto", afirmou Gilson Volpato, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, que tem se dedicado a cursos para melhorar a redação científica.

Erros que, segundo ele, se referem, sobretudo, à base empírica das pesquisas - argumentos que sustentem os dados, ou poucos dados para construir teorias, por exemplo -, ao excesso de informações e ao modo de se pensar o fazer científico. Sua análise aponta para falhas nos cursos de graduação, que deveriam ensinar as perguntas importantes para se pensar a ciência, ao invés de focar apenas no conteúdo.

"O importante no curso de biologia é saber dissecar um sapo. Fomos ensinados a ser técnicos, mas não cientistas", concordou Márcia Triunfol, consultora para cientistas escreverem artigos para periódicos de alto impacto e doutora em biologia molecular pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Em sua fala, Triunfol reforçou que, além do país não ter tradição científica forte, há dificuldades que contribuem para tornar os cientistas menos competitivos. Entre elas a conhecida falta de agilidade para comprar e receber insumos necessários para os experimentos.

"Dinheiro não é problema, mas sim como ele é distribuído, gerenciado", afirmou, apontando que a dificuldade de planejamento no Brasil compromete o processo de inovação e descoberta. Diante de tantas dificuldades, os cientistas brasileiros, acredita a especialista, não se arriscam e preferem fazer pesquisas que são variações de estudos já existentes, além de não conseguirem realizar trabalhos experimentais completos, e assim, acabam publicando o trabalho em partes, em periódicos de menor impacto.

Mas as razões para a baixa qualidade da produção brasileira não param por aí. Martha Sorenson, do Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), investigou as razões que levam as pesquisas nacionais a conquistarem baixo impacto em relação à média mundial.

Segundo ela, enquanto os artigos de física, uma das áreas de pesquisa de maior impacto internacional do país, recebem 14% menos citações do que a média internacional, a biologia e bioquímica estão atrás em 57%.

Para entender essa discrepância, a bióloga comparou a qualidade da produção científica de cientistas brasileiros com os norte-americanos, ambos com indicadores de alto nível de produção. No caso nacional, todos os especialistas recebem bolsa produtividade em pesquisa níveis 1A ou 1B do CNPq, incluindo alguns membros da Academia Brasileira de Ciências, em várias áreas de atuação da bioquímica.

Comparativamente os brasileiros, embora publiquem em periódicos de alto impacto, recebem, em média, menos citações por artigo que os colegas norte-americanos. Isso ocorre, segundo ela, porque os cientistas brasileiros estão envolvidos em inúmeras atividades extra-pesquisa, consideradas altamente dispersivas, a saber: atividades que deveriam ser exercida por técnicos e secretários, grande número de orientação de graduandos e pós-graduandos, poucos pós-doutores, e a burocracia típica dos projetos que coordenam.

Há também, afirma, baixa competitividade entre os brasileiros. "A estabilidade ocorre muito cedo na carreira dos professores e professores associados". Todos esses fatores, segundo Márcia Triunfol, fazem com que os brasileiros se sintam intimidados. Muitas vezes, se produz pesquisas de qualidade, mas seus autores não se julgam capazes de ter um trabalho aceito em periódicos de alto impacto ou aceitam o parecer negativo de seu artigo passivamente.

Ao que tudo indica, para que o país se torne mais competitivo será preciso uma revisão no ensino e na prática científica no Brasil, de modo a fortalecer uma cultura científica entre os futuros cientistas. A 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que ocorre em maio em Brasília, terá como desafio estabelecer estratégias de atuação para alavancar o impacto e a qualidade da ciência brasileira. Em 2008, o país formou cerca de 10.700 doutores, com planos de chegar a 16 mil neste ano.

(Revista ComCiência, 19/4)

O que podemos aprender com editores de periódicos de alto impacto?

JC e-mail 3993, de 20 de Abril de 2010

Publicações de excelência têm taxas de rejeição superiores a 90%, rápido processo de avaliação e busca por artigos com equilíbrio entre forma e conteúdo

Nas dependências de um hospital de primeiro mundo, no coração da maior metrópole brasileira, se reuniram, na quarta-feira (14/4), editores de periódicos científicos internacionais de alto impacto.

Meta de publicação para uns, sonho distante para outros, os periódicos Science, The Lancet Infetious Diseases, Journal of the American Medical Association (Jama) e o Journal of Clinical Investigation (JCI) têm muitas coisas em comum: taxas de rejeição superiores a 90%, rápido processo de avaliação, busca por artigos com equilíbrio entre forma e conteúdo, além de defenderem um processo de avaliação igualitário, focado na qualidade científica.

O I Colóquio Brasileiro sobre Pesquisa e Publicações Científicas de Alto Impacto realizou-se até sexta-feira (16/4) nas dependências do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, em São Paulo, buscando diagnosticar as dificuldades que impedem o Brasil de publicar mais e melhor e definir formas de conquistar mais visibilidade internacional.

Dentre os ideais de publicações apresentados pelos editores estão a busca por artigos de qualidade, compactos, originais e interessantes, que apontem novas formas de pensar, tragam a resolução de dificuldades antigas nas áreas de conhecimento, e sejam definidores de novas questões ou técnicas. Até aí, nenhuma novidade. Mas os editores presentes deixaram claro que a dedicação dos autores não deve ficar restrita ao corpo do artigo.

"O resumo é absolutamente crucial", enfatizou John McConnell, editor da Lancet Infectious Diseases. Junto com a carta de apresentação do artigo, constituem materiais que podem definir uma rejeição imediata. Por sua relevância, Ushma Neill, editora da JCI, lembrou que os editores ficam à disposição de futuros autores para pré-avaliar um resumo de um trabalho, antes mesmo da submissão do artigo completo, uma forma de minimizar esforços diante de uma forte concorrência. A Science recebe cerca de 25 mil artigos por ano, enquanto na Lancet esse número é de 11.750, e no Jama, de quase seis mil.

As principais razões para a rejeição de artigos vão desde, simplesmente, não fazer parte do escopo da publicação, até má qualidade, estudos meramente confirmatórios de resultados anteriores, sem contribuir para novos insights, resultados muito preliminares, pouca relevância, discussões e conclusões pouco convincentes, entre outras.

Por trás do complexo processo de avaliação de artigos - há um exército de pareceristas (peer reviewers) voluntários ao redor do mundo, que são constantemente recrutados. McConnell afirma que prefere os pesquisadores jovens, por eles produzirem pareceres, normalmente, mais detalhados e, portanto, de melhor qualidade.

No entanto, a dificuldade é identificar esses especialistas, já que ainda têm baixa produção acadêmica. Portanto, a sugestão colocada pelos editores é que os autores sugiram nomes de possíveis pareceristas, além de apontar aqueles que não devem participar do processo, por haver conflito de interesses. No entanto, Robert Golub, editor-sênior do Jama, deixou claro que "os pareceristas são apenas consultores dos editores, mas não definem sobre o destino da publicação".

Neutralidade de tratamento?

Uma das questões frequentes no debate sobre a participação brasileira em publicações de alto impacto não passou despercebida no Colóquio: existe diferença na avaliação de artigos escritos por autores cuja língua materna não é o inglês, sobretudo de países pobres? A resposta de Pamela Hines, da Science, foi consensual entre os editores: "Para nós, não importa o país, a instituição ou quem é o autor. Nos importamos com o conteúdo intelectual do artigo".

Embora o discurso esteja dentro da tradicional visão da ciência universal, isenta de valores socioculturais, Márcia Triunfol, consultora de publicações científicas da empresa Publicase e organizadora do evento, lembrou o fato dos revisores de periódicos de alto impacto usualmente solicitarem que artigos de brasileiros - e o mesmo poderia ser dito para outros países - sejam revisados por nativos da língua inglesa.

"Nunca poderemos atender a essa exigência, porque teríamos que nascer de novo", lamentou, "seremos sempre dependentes". Triunfol acredita que está na hora dos editores darem outro tratamento aos autores de países que não são falantes nativos do inglês.

O evento é voltado apenas para a comunidade do Albert Einstein, que contou com participantes que preencheram pouco mais da metade da capacidade do auditório. Mas, certamente, trata-se de uma importante iniciativa para fomentar o debate de um ponto que o Brasil precisa enfrentar: apesar da conquista recente de um 13º lugar no ranking de produção mundial de ciência - segundo dados referentes a 2008 no banco de dados da Web of Science (WoS) - , o país ainda precisa melhorar os números de citações que seus artigos recebem.

Segundo Rogério Meneghini, um dos fundadores da biblioteca virtual SciELO - terceiro maior banco de artigos científicos de acesso aberto do mundo -, atual coordenador científico da instituição e palestrante do Colóquio, embora a participação brasileira na produção científica mundial tenha tido o maior incremento entre as nações no ano de 2008 - mesmo considerando a entrada de nada menos do que 32 novos periódicos no sistema de indexação internacional WoS -, o número de citações por artigo ainda é baixa, em média 2,58, semelhante à Índia, mas inferior à China (3,73).

Dentre os exemplos citados por Meneghini estão as publicações no campo de saúde pública, nas quais o Brasil se destaca como terceiro no ranking de produção de artigos, muito embora o número médio de citações que cada artigo receba seja inferior a 1 (0,95, no ano de 2008).

A expectativa do evento, segundo Luiz Vicente Rizzo, um dos organizadores e superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa do Albert Einstein, é melhorar a performance brasileira nas publicações internacionais, otimizando o potencial que a ciência nacional já possui. "Não tenha medo de ter um artigo rejeitado na Science, você estará em boa companhia", brincou Pamela, lembrando que o periódico rejeitou cerca de 94% dos artigos recebidos em 2008.

(Revista ComCiência, 15/4)